sexta-feira, 22 de julho de 2011
E o que eu faço com todo o resto?
"Existe o certo, o errado e todo o resto." Essa é uma frase dita pelo ator Daniel Oliveira representando Cazuza, em uma conversa com o pai, numa cena que, ao meu ver, resume o espírito do filme que esteve em cartaz até pouco tempo. Aliás, resume a vida. Certo e errado são convenções que se confirmam com meia dúzia de atitudes.
Certo é ser gentil, respeitar os mais velhos, seguir uma dieta balanceada, dormir oito horas por noite, lembrar dos aniversários, trabalhar, estudar, casar e ter filhos, certo é morrer bem velho e com o dever cumprido. Errado é dar calote, repetir o ano, beber demais, fumar, se drogar, não programar um futuro decente, dar saltos sem rede. Todo mundo de acordo?
Todo mundo teoricamente de acordo, porém a vida não é feita de teorias. E o resto? E tudo aquilo que a gente mal consegue verbalizar, de tão intenso? Desejos, impulsos, fantasias, emoções. Ora, meia dúzia de normas preestabelecidas não dão conta do recado. Impossível enquadrar o que lateja, o que arde, o que grita dentro de nós.
Somos maduros e ao mesmo tempo infantis, por trás do nosso autocontrole há um desespero infernal. Possuímos uma criatividade insuspeita: inventamos músicas, amores e problemas, e somos curiosos, queremos espiar pelo buraco da fechadura do mundo para descobrir o que não nos contaram. Todo o resto.
O amor é certo, o ódio é errado, e o resto é uma montanha de sentimentos, uma solidão gigantesca, muita confusão, desassossego, saudades cortantes, necessidade de afeto e urgências sexuais que não se adaptam às regras do bom comportamento. Há bilhetes guardados no fundo das gavetas que contariam outra versão da nossa história caso viessem a público.
Todo o resto é o que nos assombra: as escolhas não feitas, os beijos não dados, as decisões não tomadas, os mandamentos que não obedecemos, ou que obedecemos bem demais - a troco do que fomos tão bonzinhos?
Há o certo, o errado e aquilo que nos dá medo, que nos atrai, que nos sufoca, que nos entorpece. O certo é ser magro, bonito, rico e educado, o errado é ser gordo, feio, pobre e analfabeto, e o resto nada tem a ver com esses reducionismos: é a nossa fome por idéias novas, é nosso rosto que se transforma com o tempo, nossas cicatrizes de estimação, nossos erros e desilusões.
Todo o resto é muito mais vasto. É nossa porra-louquice, nossa ausência de certezas, nossos silêncios inquisidores, a pureza e a inocência que se mantêm vivas dentro de nós mas ninguém percebe, só porque crescemos. A maturidade é um álibi frágil. Seguimos com uma alma de criança que finge saber direitinho tudo que deve ser feito, mas que no fundo entende muito pouco sobre as engrenagens do mundo.Todo o resto é tudo que ninguém aplaude, ninguém vaia, porque ninguém vê!
(Martha Medeiros)
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