segunda-feira, 3 de março de 2014
Sou a ferida que nunca cicatriza.
Eu sou a consequência de decisões erradas, estradas contrárias, tentativas falhas. Eu sou quem você esbarra na rua e vira a cara. Eu sou aquela que acena com as mãos trêmulas e ninguém sorri de volta. Eu sou a menina estranha, a garota bizarra, a pessoa torta. Quem eu penso ser, não sou mais já faz um segundo e meio. Quem eu era, deixei de ser. Tédio, comodismo, vazio. O que importava deixa de ser importante. Eu sou aquela que esquece pessoas e coisas pelos cantos da casa. E também a que tropeça nessas coisas e pessoas em momentos inoportunos. Aquela que costumam não lembrar, também sou eu. Possuo várias formas em um só corpo. Às vezes, mais alma. Outras, mais carne. Sou o verso rabiscado que ninguém lê, a pagina rasgada que ninguém vê, o livro manchado que ninguém quer. Muitas vezes menina, tantas outras vezes mulher. Sou a ferida que nunca cicatriza. O guarda roupa lotado, os armários empoeirados, os porta-retratos sem retratos. A apatia. Eu sou quem a vida escolheu pra ser o maior exemplo de solidão, mas também sou quem ninguém nunca escolhe pra ser uma gota de felicidade. Tentar, tentar e tentar é estar pedindo pra quebrar a cara milhões de vezes. Se existe alguém que almeja tudo e não consegue nada, esse alguém sou eu. Sou eu. Eu e os meus livros infinitamente melhores do que qualquer outra companhia. Eu e meu cabelo que não é nem liso, nem cacheado. Eu e as minhas roupas sem marcas. O meu sinal de nascença na ponta do dedão do meu pé e eu. Eu e as minhas cortinas laranjas-desbotadas. Eu e aquele meu casaquinho lilás sem botão. Tanto eu pra pouco eu em si. Não sou o que ninguém espera de alguém. Não sei ser quem eu espero ser. Uma incógnita insignificante no meio da equação é descartada: Complica o cálculo, confunde a mente, se torna perda de tempo. Uma incógnita no meio de uma redação é burrice: Sem sentido, sem nexo, inútil. Uma incógnita no meio da vida é insignificante: Sou eu.
Capitule
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