Conta à história que dom Pedro II casou-se sem conhecer a sua noiva.
Tinha visto um quadro com a cara da princesa. Casamento de interesses políticos lá dos portugueses, fazer o que? E quando a moça chegou ao porto do Rio de Janeiro – consta que ele fez uma cara emocionada. Pela feiura da imperial donzela. Mas casou, era o destino, era a desdita.
Tenho um avô que foi pedir mão da moça e o pai dela disse: – Essa está muito novinha. Leva aquela.
E ele levou aquela que viria a ser a minha avó. Ah, a outra morreu solteirona.
Quando aconteceu o grande boom da imigração japonesa, alguns anos depois, familiares que lá ficaram mandavam noivas para os que cá aportaram.
Tudo no escuro. E de olhinhos fechados, ainda por cima.
De um tempo para cá, o conceito da escolha foi mudando. Até ir para a cama antes, valia. Ficava-se antes.
Só que agora, finzinho do finzinho do século, surgiu outro tipo de casamento. O casamento de letras. Letras de textos. O texto – finalmente, digo eu, escritor – virou casamenteiro. Apaixona-se, hoje em dia, pelo texto. Via internet. Via cabo, literalmente.
Conheço quatro casos bem próximos. Gente que desmanchou o casamento de carne e osso por uma aventura no mundo das letras.
Claro que estou me referindo aos encontros via Internet. Começa no chat, com o texto. Gostou do texto, leva para o reservado. E lá, rola. Eu mesmo já me envolvi perdidamente por dois textos belíssimos. Moças de vírgulas acentuadas, exclamações sensuais e risos de entortar qualquer coração letrado ou iletrado.
Sim, pela primeira vez nesta nossa humanidade já tão velhinha, as pessoas estão se conhecendo primeiramente pela palavra escrita. E lida, é claro.
Já disse, isso envaidece qualquer escritor. Agora, o texto pode levar ao amor. Uma espécie de amor de texto, amor de perdição.
A relação, o namoro, começa ali no monitor. Você pode passar algumas horas, dias e até semanas sem saber nada da outra pessoa. Só conhece o texto dela.
E é com o texto que vai se fazendo o charme. Você ainda não sabe se a pessoa é bonita ou feia, gorda ou magra, jovem ou velha. E, se não for esperto, nem se é homem ou mulher. Mas vai crescendo uma coisa dentro de você. Algo parecidíssimo com amor. Pelo texto.
Pouco a pouco, você vai conhecendo os detalhes da pessoa. Idade, uma foto, a profissão, a cor. Inclusive onde mora. Sim, porque às vezes você está levando o maior lero com o texto amado e descobre que ele vem lá da
Venezuela. Ou do Arroio Chuí.
Mas se o texto for bom mesmo, se ele te encanta de fato e impresso, você vai em frente. Mesmo olhando para aquela fotografia – que deve ser a melhor que ela tinha para te escanear (ou seria sacanear, me perdoando o trocadilho fácil) você vai em frente. “Uma pessoa com um texto desses…”.
A tudo isso o bom texto supera.
Quando eu ouvia um pai ou mãe dizendo “meu filho fica horas na Internet”, todo preocupado, eu também ficava. Até que, por força do meu atual trabalho, comecei a navegar pela dita suja.
E descobri muito feliz da vida, que nunca uma geração de jovens brasileiros leu e escreveu tanto na vida. Se ele fica seis horas por dia ali, ou ele está lendo ou escrevendo. E mais conhecendo pessoas. E amando essas pessoas.
Jamais, em tempo algum, o brasileiro escreveu tanto. E se comunicou tanto. E leu tanto. E amou tanto.
No caso do amor ali nascido, a feitura, o peso, a cor, a idade ou a nacionalidade não importam. O que é mais importante é o texto. O texto é a causa do amor.
Quando comecei a escrever um livro pela internet, muitos colegas jornalistas me entrevistavam (sempre a mim e ao João Ubaldo) perguntando qual era o futuro da literatura pela Internet.
Há quatro meses eu não sabia responder a essa pergunta. Hoje eu sei e tenho certeza do que penso: – Essa geração vai dar muitos e muitos escritores para o Brasil. E muita gente vai se apaixonar pelo texto e no texto.
Existe coisa melhor para um escritor do que concluir uma crônica com isso?
Como diria Shakespeare, palavras, palavras, palavras.
Como diria Pelé, Love, Love, Love…
AUTORIA – MÁRIO PRADO
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