sábado, 16 de agosto de 2014
Um equívoco
Quando o deixei no meio do jogo ele ficou desnorteado, mas por pouco tempo porque quatro dias depois de termos rompido, encontrei-o num restaurante, jantando em companhia de uma decoradora que estava muito em moda. Pude ouvir, da minha mesa, o final de uma frase que ele me dissera certa vez e que agora repetia à moça: “E sinto-a escorrer como areia por entre meus dedos…” Ele se referia à vida e pela expressão da moça, concluí que antes do fim da noite ele não teria as mãos tão vazias assim. Tive então um vontade obscura de chorar e ao mesmo tempo rir. Um equívoco. E que começara quando subi pela primeira vez ao seu apartamento para ver os troféus que tinha ganho, fui para ver os troféus de prata. E eis que com dezesseis anos e oito meses apenas, pressenti que viriam outros equívocos: a busca, a conquista, a posse rápida e total na ânsia de enraizar o amor que de repente não é mais amor, é luxúria, luxúria que de repente não é mais luxúria, é farsa. Farsa que é medo, simplesmente medo da solidão mais difícil de suportar do que o peso do corpo alheio a se abater sobre o meu.
(Lygia Fagundes Telles)
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