sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Ficam as perguntas sem respostas: Por que comigo não, e com ela sim? Será que eu deveria ter tentado mais, será que ela é mais calma, mais esperta, mais magra? Ou não, ele era mesmo um grosso? Será que ele mudou?
Nós, mulheres, somos todas assim. Ou quase todas. É raro, muito raro, uma mulher que consiga ser indiferente a um homem por quem nutriu especial amor e dedicação. Ela pode passar a ter carinho por ele, pode passar a odiá-lo até, mas dificilmente se tornará totalmente indiferente diante de notícias como essa. Vai fingir talvez, e nisso sim há mérito. Fingimos bem, às vezes enganamos a nós mesmas, mas, bastará um pouco de reflexão que a pergunta que surgiu à minha amiga Simone, surgiria em todas nós: Casar com ela? Em questão de minutos, o traste do ex-marido é lembrado como um homem divertido e inteligente com quem ela foi, não angustiada e sofrida, mas alegre e livre...
Ah, que bicho estranho somos nós, não é? Ou não? Ou seríamos estranhas, isso sim, se esquecêssemos de um tempo de desmedida dedicação e ternura, uma relação que tornou-se tão delicada e rara quanto um tesouro único feito da mais fina louça, e carregado com cuidado por entre maremotos e trovoadas, pelas suas hábeis e fortes mãos...
Não esqueceríamos, não esquecemos. Passamos sempre um longo e difícil luto, para conseguirmos, a duras penas, entender que esse homem não era certo, não nos faria feliz, não sabe ter compromisso, não sabe ser fiel, cúmplice, dedicado, não sabe ser um marido, afinal. E então, quando nos achamos refeita, chega a bomba. Ele, que é um crápula insensível, vai se casar mais uma vez...
Simone, minha forte amiga, estava desolada. Não pela nova esposa do ex-marido, nem mesmo pelo próprio ex-marido, mas por si própria. Se ele é um cara casável, por que não ficou com ela? Se ele é tão apaixonante como ela sempre achou que fosse, por que não permaneceu apaixonante com ela? Subitamente os questionamentos reapareceram.
Por que comigo não, e com ela sim? Será que eu deveria ter tentado mais, será que ela é mais calma, mais esperta, mais magra? Ou não, ele era mesmo um grosso? Mas então,
se era de fato tão emburrado, mesquinho, grosseiro, como foi possível deixar de ser, bem na vez da outra? Será que ele mudou? Será possível que os anos em que tentei mudá-lo, os infinitos discursos, as enormes provas que dei a ele de seus gestos e palavras enganados, agora, surtiram efeito? Mas bem na vez da próxima?
Simone sente-se como se tivesse tido seu tesouro roubado. Uma coisa é ter seu tesouro perdido, mala extraviada, sem novo dono nem novo destino, desapareceu no oceano e, talvez, nem valesse tanto assim. Outra, completamente diferente, é ter sua mala, aquela que você levou dias pra arrumar, uma noite inteira pra fechar, aquela onde está guardado sua necessaire com os melhores produtos, garimpados por anos, e sua calça predileta, entregue na casa de outra. E essa outra, que você nem conhece, abre um sorriso fresco, provavelmente mais fresco e jovial que o seu e, deliciosamente feliz, sai vestindo seu jeans usado, passando no rosto liso seus melhores cremes e perfumando o colo com aquele restinho que você tinha guardado da colônia que tanto adorava.
Simone, uma mulher linda, forte e inteligentíssima, sentiu-se absolutamente burra por um instante. Sentiu-se desolada, enganada, a vida lhe pregrara uma peça. Ele, o traste, deve ter se vestido de terno uma vez mais, para receber sua linda noiva num altar qualquer. As imagens perturbavam Simone dia e noite.
Enquanto ele refaz a sua vida, Simone também se vê como um disco riscado, repetindo o que já exercitou em outro tempo. Por mais uma vez, Simone vai viver um luto, de uma marido já perdido. Talvez agora dure menos, talvez não. Dessa vez Simone vai chorar calada, não vai se confessar a muitos amigos, vai resguardar a sua dor e, em seguida, cedo ou tarde, vai se refazer mais uma, entre tantas vezes...
O amor causa a nós, mulheres, maior encanto e perplexidade. Todas nós temos, como que impresso em nossas memórias afetivas, em um lugar doce e terno dentro de nós, lembranças tão livres e felizes, que os homens talvez nunca enxerguem essas cores e nuances que se dão em nossa vida, quando nos sentimos com a alegria leve de um amor bom. Mas talvez, por essa mesma razão, eles se levantem e se refaçam uma só vez, quando muito.
Enquanto isso, nós nos questionamos, nos revoltamos, nos maltratamos até, para sempre em seguida, nos levantarmos também, juntarmos nossos cacos e, daí sim, com maior empenho e maior mérito, andarmos de novo, não com muletas, mas com a força habitual das nossas próprias pernas.
Fonte: Crônica do Dia: RESQUÍCIOS [Ana Carolina Coutinho]
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