quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
" Formamos casais porque é impossível se esconder sozinho".
O casamento como esconderijo.
Eu nunca havia pensado nisso.
Uma pessoa avulsa é uma pessoa com a sua solidão
escancarada, é uma pessoa que necessita fazer contatos
e explicar quem é, o que faz, do que gosta.
Uma pessoa sozinha é visada, está exposta, julgam que
ela tem mais tempo, está mais disponível, uma pessoa
sozinha, não tem onde se esconder.
Já duas pessoas juntas escondem-se das fantasias e
do julgamento alheio, se escondem da sua própria vulnerabilidade
e dos seus segredos, duas pessoas juntas protegem-se
oficialmente, mesmo sem ter consciência de que sua
união também é isso, um esconderijo.
A sociedade costuma cobrar relações amorosas
daqueles que escolheram viver sozinhos, ou que
estão sozinhos por contigência do destino.
Os solitários, os ermitãos, os donos da própria vida
são tratados como se estivesse à margem, mas são
casados os verdadeiros excluídos, porque
uma vez cumpridores de uma expectativa social,perdem
seu potencial para surpreender, não chamam mais a atenção,
passam apenas a ser fazedores de filhos e de dívidas,
consumidores de imóveis de três dormitórios e carros utilitários
de viagem. Dentro do casamento, julga-se que há duas
pessoas realizadas, completamente a salvo da angústia
existencial, da carência afetiva, dos traumas de infância, da
insanidade, do vicío e dos ímpetos - imagine, ímpetos: casais
jamais ousariam fazer algo sem pensar, sem conversar muitas
vezes antes, durante e depois do jantar.
A solidão, que sempre pareceu nos proteger, na verdade nos
coloca no centro das atenções, permite que coloquem
o dedo nas nossas feridas.
Já o casamento nos tira da prateleira, nos resguarda,
nos escondem tão bem e tão sem alarde que
agente nem percebe que está escondido.
Martha Medeiros
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