sábado, 23 de outubro de 2010
Um Deus que sorri..
Um Deus que sorri..
Eu acredito em Deus.
Mas não sei se o Deus em que eu acredito é o mesmo Deus
em que acredita o balconista, a professora, o médico, o porteiro.
O Deus em que acredito não foi globalizado.
O Deus com quem converso não é uma pessoa, não é pai de ninguém.
É uma idéia, uma energia, uma eminência.
Não tem rosto, portanto não tem barba.
Não caminha, portanto não usa um cajado.
Não está cansado, portanto não tem trono.
O Deus que me acompanha não é bíblico.
Jamais se deixaria resumir por dez mandamentos, algumas
parábolas e um pensamento que não se renova.
O meu Deus é tão superior quanto o Deus dos outros,mas sua
superioridade está na compreensão das diferenças, na aceitação das
fraquezas e no estímulo à felicidade.
O Deus em que acredito me ensina a guerrear conforme as armas
que tenho e detecta em mim a honestidade dos atos.
Não distribui culpas a granel: as minhas são umas, as do vizinho são
outras, e nossa penintência é a reflexão.
Ave-maria, pai-nosso, isso qualquer um decora sem saber o que
esta dizendo. Para o Deus em que acredito, só vale o que se está
sentindo.
O Deus em que acredito não condena o prazer.
Se ele não tem controle sobre enchentes, guerrilhas e violência,
se não tem controle sobre traficantes, corruptos e vigaristas,
se não tem controle sobre a miséria, o câncer e as mágoas,
então que Deus seria ele se ainda por cima condenasse o que
nos resta: o lúdico, o sensorial, a libido que nasce com toda criança e
se desenvolve livre, se assim o permitirem?
O Deus em que acredito não é tão bonzinho: me castiga e me deixa
um tempo sozinha. Não me abandona, mas exige mais do que uma
visita à igreja, uma flexão de joelhos e uma doação aos pobres:
cobra caro pelos meus erros e não aceita promessas performáticas,
como carregar uma cruz gigante nos ombros.
A cruz pesa onde tem que pesar: dentro.
É onde tudo acontece e tudo se resolve.
Este é o Deus que me acompanha.
Um Deus simples.
Deus que é Deus não precisa ser difícil e distante,
sabe-tudo e vê-tudo.
Meu Deus é discreto e otimista.
Não se esconde, ao contrário, aparece principalmente nas horas
boas para incentivar, para me fazer sentir o quanto vale um
pequeno momento grandioso: um abraço num amigo,
uma música na hora certa, um silêncio.
É onipresente, mas não onipotente.
Meu Deus é humilde.
Não posso imaginar um Deus repressor e um Deus
que não sorri.
Quem não te sorri não é cúmplice.
(Martha Medeiros)
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