terça-feira, 27 de julho de 2010

RASCUNHO DE ALGO QUE NEM SEI O QUE É

Perder a fé não é nada fácil. Junto com Deus, cai também o Sentido. E agora, vida, o que é que você significa? O que é te salva do absurdo, da infinita angústia? Que missão dentro de ti devo cumprir? Pois antes, quando ainda havia a crença, havia uma meta muito bem definida: fomos postos no mundo por uma divindade benevolente e onipotente, que faz de nosso percurso terrestre uma espécie de prova para checar do que somos merecedores: da bem-aventurança eterna, ou da danação sem fim. O cosmos ficava impregnado de sentido: houve uma criação, e uma razão para esta criação, e um espectador atento, lá em cima, que observa nossos atos e intenções, distribuindo castigos e recompensas conforme nosso mérito, com a mais perfeita equidade e justiça...

Quando deixa-se de crer em Deus, faz-se esse vazio no peito, um buraco negro antes preenchido por sentido. E agora, com que preencher essa ferida deixada por um Deus que se ausentou, levando consigo todo o sentido? Que é a vida, então, se não foi criada, mas foi simplesmente “algo que aconteceu”? Que devemos fazer dela, com que tipo de ações e atos preenchê-la? E agora, que não há certeza de que seremos recompensados pelo Bem nem punidos pelo Mal? Que sobra para nortear nossos seres nos agitados mares de um mundo sempre movente?

Era fácil ser um homem bom quando para isso bastava seguir os Dez Mandamentos, ir à igreja aos Domingos, ficar longe dos puteiros e das amantes. E agora, como ser um homem bom, quando não mais está escrito em pedra os princípios que devemos abraçar? E quem é que vai julgar se um homem é bom ou mau, se o juiz que imaginávamos estar sentado num trono nas estrelas mostra-se só uma ilusão, um vazio, um nada? De onde tirar a energia para a bondade, se sabemos que não há forças cósmicas engajadas em recompensá-la? E como resistir à tentação da maldade, se ela muitas vezes pode trazer suas vantagens e nenhuma divindade punidora nos observa lá de cima?

Ninguém perde a fé à toa ou porque acha gostoso. Não há nada de agradável em ver desmoronar tudo o que antes tínhamos como verdadeiro. E dá uma grande indignação descobrir, de repente, que nos mentiram e nos enganaram. A criança, ao descobrir que Papai Noel não existe, talvez nunca mais vá levar a sério o que dizem os adultos, esses embusteiros, passando por uma desilusão essencial no caminho para a maturidade. Nós, ateus, ao percebermos que tudo na religião não passava de embuste, e que Papai Noel e Papai do Céu tinham mais semelhanças do que uma mera rima, passamos por mais um doloroso ritual de maturação. É como deixar a criança pra trás, de novo, e sempre dói saltar para um outro estágio onde a volta ao anterior é impossível. “Que culpa temos da infância, de seu viço e constância?”, perguntava Jorge de Lima. Mas que culpa temos se as ilusões da infância, cedo ou tarde, acabam ruindo? E crer em Deus não é um aferrar-se a ser criança? Não é querer habitar um mundo onde os nossos desejos mais íntimos e profundos são todos atendidos?
Eduardo Carli de Moraes

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