segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Nascer é, sem dúvida, a segunda maior roubada que um ser humano tem que encarar na vida.
Nascer, morrer, essas coisas...
A vida é cheia de surpresas, mas a maior delas a gente já sabe qual é
Nascer é, sem dúvida, a segunda maior roubada que um ser humano tem que encarar na vida.
Olha só: você está lá no quentinho, boiando, o maior sossego. Não faz absolutamente nada - e, como
nem sabe que existem coisas a serem feitas, não sente nenhuma culpa.
Tem uma mangueira ligada na barriga, tipo uma bomba de gasolina, que leva sangue de sua
mãe com oxigênio, vitaminas e nutrientes direto pro seu corpo. Você não tem nem que respirar!
É o cúmulo da folga.
Nos últimos meses da gestação você já ouve. Se a sua mãe escuta música, é o paraíso:
piscina aquecida, comida de graça e som ambiente. Huuum, interessante. O coração da mãe
faz um barulho ininterrupto, tum, tum, tum, tum. Monótono, mas reconfortante. Você dorme
acorda, percebe que o tamborzinho tá lá, no mesmo ritmo e vai dormir de novo, tranquilo,
sabendo que tudo continua como antes.
Mas eis que de repente, não mais que de repente, epa! tem algo estranho acontecendo. Destamparam
o ralo da piscina? A bolha furou? As paredes vão se fechando, algo o empurra. Você não
tem a menor idéia do que seja, mas boa coisa não parece.
Dito e feito: a passagem é estreita, quase o sufoca. Você sai vivo do outro lado (existe um outro lado!),
aí bate uma baita luz na tua cara, um frio do diabo e pronto, quando você vai ver - e ver dói,
arde o olho - tá ali, todo melecado e pelado no meio de desconhecidos. A cultura
ainda não lhe as ferramentas para entender lhufas, mas a natureza já o brindou com os instintos e a
primeira sensação da vida deve ser um medo profundo. Que roubada, você pensa. Ou melhor, sente.
Programão hein? Mas quando tudo parede perdido e você começa a sentir um negócio que, mais pra
frente, seria formulado como "onde é que eu fui amarrar meu burro?!", algo de bom finalmente acontece:
botam você num colo. Colo é uma coisa quentinha, cheirosa, um lugar realmente bom de estar. (Deus deve ter
ganho algum prêmio de design pela criação do colo.) Você vai se acalmando e quando já está pensando
"bem, não é lá um útero, mas tendo em cista os últimos acontecimentos, não posso reclamar", acontece outra coisa
maravilhosa: você se vê diante de um peito. (Se Deus não ganhou um prêmio de design com o colo, ganhou com o
peito: melhor conceito, melhor embalagem de alimentos e melhor projeto, em todas as categorias.) E colocaram o
peito na sua boca, doce, quente. Ah, mangueira na barriga o escambau!
Comer pela boca é muito melhor. Você dá um arroto, se ajeita ali no colo e, dali em diante, começa a
encarar essa coisa chamada vida, com ursinhos de pelúcia, bicicletas, vestibulares, amor, tédio e outros
ingredientes mais ou menos importantes.
Pelo menos até o dia, ninguém sabe quando, em que se deparar com a primeira mairo roubada da vida
de um ser humano. Só espero que, nessa hora, também exista um lado de lá, com colos peitos, essas coisas.
Escrito por Antonio Prata
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