sábado, 12 de fevereiro de 2011

A pergunta final seria óbvia:-Por que não um poodle?



A primeira vez em que fui a casa dela – casa mesmo, não apê -, ela apareceu na porta, fez sinal para eu esperar e desapareceu lá dentro. Será que eu havia chegado em má hora? Ué, mas havíamos combinado. Então ela voltou e disse:

-Desculpe, estava prendendo o cachorro.

Falei que poderia deixá-lo solto, eu não tinha medo. Ela me conduziu até os fundos da casa, e foi então que a fera. Gelei.

-Ele parece ter ódio do mundo – comentei.

-E tem – ela confirmou.

Disse também que estava respondendo a um processo por um ataque do cão a um vizinho.

-O que o moço fez para merecer? Olhou para o bicho de um jeito que ele não gostou. Quer mesmo que eu o solte?

Voltamos para a sala e tentamos conversar enquanto aquele anjo, nos fundos da casa, latia sem cansaço. Um monstro que se magoa quando lhe olham feio. Antes de ir embora, fui explicitamente irônica:

-Por que não um poodle?

Isso tudo foi em São Paulo, e nossa amizade persistiu graças a email’s e telefonemas, mas depois de uns anos voltamos a nos encontrar, dessa vez em Porto Alegre, onde ela estava morando. Mais uma vez, fui visitá-la em sua casa – casa mesmo, não apê-, e ela demorou para abrir a porta. De novo. Foi prender o cachorro, pensei.

Quando ela apareceu abotoando a blusa, percebi que o atraso não se devia a qualquer cachorro . Mas era. Ela pediu para eu entrar e me apresentou ao seu novo namorado.

Parecia um animal. Rosnava. Tinha o aspecto de um homem com ódio do mundo, e nem perguntei a fim de confirmar. Ele apertou minha mão, dizendo “oi” e “adeus” ao mesmo tempo pois tinha algo a fazer na rua. Soltou um comentário grosseiro para a minha amiga e saiu pela porta. Tive vontade de perguntar para ela:

-Algum vizinho já está te processando?

Porém, mesmo sem perguntar nada, ela acabou me contando. Era um homem selvagem de fato. Bruto. Rude. E tinha ódio do mundo – claro. Não sabia conversar, mas era expert em latir. Por que não me surpreendi? Ela continuou: ele não a acompanhava em eventos sociais e, quando saía, arranjava briga com qualquer um que ousasse olhar feio para ele.

-E quem olhava feio para ele? – tive curiosidade em saber.

- Qualquer pessoa que tivesse ousado nascer.

Ele preferia ficar sozinho com ela, pois detestava seus amigos e não confiava em ninguém que se aproximasse.

- Você o prende nos fundos da casa?

-Metaforicamente, é como se o prendesse.

A pergunta final seria óbvia:

- Por que não um poodle?

Mas não perguntei. Eu sabia que um poodle não lhe daria aquele rosto satisfeito que testemunhei quando ela surgiu na porta da casa abotoando a blusa.
Martha Medeiros

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