quinta-feira, 22 de abril de 2010

Relacionamento Tênis e Frescobol


Depois de muito meditar sobre o assunto
concluí que os casamentos (relacionamentos)
são de dois tipos:
há os casamentos do tipo Tênis e
há os casamentos do tipo Frescobol.
Os casamentos do tipo tênis
são uma fonte de raiva e ressentimentos
e terminam mal.
Os casamentos do tipo Frescobol
são uma fonte de alegria e têm a chance
de ter vida longa. Explico-me.
Para começar, uma afirmação de Nietzche,
com a qual concordo inteiramente. Dizia ele:
"Ao pensar sobre a possibilidade do casamento,
cada um deveria se fazer a seguinte pergunta:
"Você crê que seria capaz de conversar com prazer
com esta pessoa até sua velhice?"
Tudo o mais no casamento é transitório,
mas as relações que desafiam o tempo
são aquelas construídas sobre a arte de conversar.
Sherezade sabia disso.
Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama
são sempre decapitados pela manhã,
e terminam em separação, pois os prazeres do sexo
se esgotam rapidamente, terminam na morte,
como no filme O Império dos Sentidos.
Por isso, quando o sexo já estava morto na cama,
e o amor não mais se podia dizer através dele,
Sherezade o ressuscitava pela magia da palavra:
começava uma longa conversa sem fim,
que deveria durar mil e uma noites.
O sultão se calava e escutava as suas palavras
como se fossem música.
A música dos sons ou da palavra
-é a sexualidade sob a forma da eternidade:
é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer.
Há os carinhos que se fazem com o corpo
e há os carinhos que se fazem com as palavras.
E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes.
Fazer carinho com as palavras
não é ficar repetindo o tempo todo: "Eu te amo".
Barthes advertia: "Passada a primeira confissão,
eu te amo não quer dizer mais nada".
É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra,
não em sua nudez anatômica,
mas em sua nudez poética.
Recordo a sabedoria de Adélia Prado: "Erótica é a alma".
Tênis é um jogo feroz.
O objetivo é derrotar o adversário.
E a sua derrota se revela no seu erro:
O outro foi incapaz de devolver a bola.
Joga-se tênis para fazer o outro errar.
O bom jogador é aquele que tem a exata noção
do ponto fraco do seu adversário,
é justamente para aí que ele vai dirigir sua cortada.
Palavra muito sugestiva
-que indica o seu objetivo sádico,
que é o de cortar, interromper, derrotar.
O prazer do tênis se encontra, portanto,
no momento em que o jogo não pode mais continuar
porque o adversário foi colocado fora de jogo.
Termina sempre com a alegria de um
e a tristeza de outro.
Frescobol se parece muito com o tênis:
dois jogadores, duas raquetes e uma bola.
Só que, para o jogo ser bom,
é preciso que nenhum dos dois perca.
Se a bola veio meio torta,
a gente sabe que não foi de propósito
e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa,
no lugar certo, para que o outro possa pegá-la.
Não existe adversário porque não há ninguém
a ser derrotado.
Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha.
E ninguém fica feliz quando o outro erra.
O erro de um, no frescobol,
é um acidente lamentável que não deveria ter acontecido.
E o que errou pede desculpas,
e o que provocou o erro se sente culpado.
Mas não tem importância:
começa-se de novo este delicioso jogo
em que ninguém marca pontos...
A bola: são nossas fantasias, irrealidades,
sonhos sob a forma de palavras.
Conversar é ficar batendo sonho pra lá,
sonho pra cá...
Mas há casais que jogam com os sonhos
como se jogassem tênis.
Ficam à espera do momento certo para a cortada.
Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro
para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão...
O que se busca é ter razão
e o que se ganha é o distanciamento.
Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente:
o sonho do outro é um brinquedo
que deve ser preservado,
pois se sabe que, se é sonho,
é coisa delicada, do coração.
O bom ouvinte é aquele que, ao falar,
abre espaços para que as bolhas de sabão do outro
voem livres ao vento.
Bola vai, bola vem - cresce o amor...
Ninguém ganha, para que os dois ganhem.
E se deseja então que o outro viva sempre,
eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...
Rubem Alves

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