terça-feira, 17 de agosto de 2010

DECIFRA-ME!



Não sei quantos mistérios possuo,
quantos sentidos me invadem,
quantos desejos invento, quantos amores revelo.
Por isso sou assim: reticências, penumbras, esfinges,
dúvidas, certezas, corações, delírios, fantasia.
Sou a máscara do drama que enfrenta
a comédia sem graça das piadas machistas,
do preconceito visível que derrama sobre nós a lama da insensatez,
do que é desumano, vil.
Sou todas as faces marcadas pela agonia do não-direito,
da repressão, opressão, de um tempo marcado pelo autoritarismo,
pela violência de gênero, pela barbárie.
Sou o rosto enrugado que não é respeitado.

E surge em mim o desengano, o amargo da vida,
o pessimismo, a subalternidade, a lástima,
a palidez de uma estrela não iluminada,
uma chama que já não queima.
Tenho medo e me vejo num esquivo usual dos perigos que me envolvem,
que me atormentam, que me perseguem secularmente.
E nos mares da complexidade que a cada instante emerso,
lembro-me das entranhas que se fazem vidas,
do fogo-fátuo que habita minhas florestas
e sinto a força que me alicerça.

Lanço mão dos guardados de dentro de mim,
dos frascos de coragem, audácia, combatividade e
malabarismos para enfrentar o dia-a-dia,
a labuta, os preconceitos, a violência covarde e sexista.
Eu sou essa dialética feminina que me revolve por dentro e por fora,
que se faz presente na marcha pela história.
Eu sou as contradições, o sexto sentido que funciona,
o olho que vê mais adiante da janela,
a avidez da aurora,
as cores múltiplas e ousadas do arco-íris,
eu sou a esperança verdejante e primaveril.

Sou, também, o próprio escárnio, o beijo adocicado
ou aquele cheio de pecado cheirando a inferno.
Sou o canto das DIVAS,
o som dos soluços que ecoam dos rios de lágrimas
que se formam meio à aridez do deserto,
sou o som dos tambores afros,
da poesia agridoce e moderna de Hilda,
da pintura brasileiríssima de Tarsila,
sou o som das mulheres de Tejucupapo,
o som ignominioso e horrendo das mulheres violentadas,
machucadas, despedaçadas.

Mas há em mim o que nunca se sacia: o refazer…
De ser lirismo face a escuridão,
de ser a liberdade mediante à proibição,
de ser o grito quando se exige o silêncio,
de ser a flor quando os canhões já anunciam
em quase toda parte do mundo o estado de terror.
Eu sou essa mística que se fabrica no altar da luta,
pelas pétalas de tantas Rosas Luxemburgos,
de tantas Florbelas,
de tantas Antônias, anônimas e Quitérias.

Sou essa poesia construída tacitamente,
feita de revolta, amor, de dores,
feridas saradas e cicatrizes ainda abertas.
Poesia cheia de sentimentos,
de desabafos poéticos com seus vôos diários
que alcançam sempre o imaginário,
sem ter a pretensão de decifrar
a magnitude e a sensibilidade de ser Mulher…

(Andréa Lima)

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