quarta-feira, 10 de novembro de 2010

HÁ SEMPRE UMA PERDA EM CADA ENCONTRO



Cada encontro está carregado de perda. Ou de perdas. Às vezes duas pessoas se amam (casados, solteiros, amantes, namorados), se encontram e são felizes. Ao fim da felicidade, um deles chora. Ou fica triste. Ou baixa os olhos. Ou é invadido por inexplicável melancolia. É a perda que está escondida no deslumbramento de cada encontro!

O encontro humano é tão raro que, quando surge, vem carregado de todas as experiências de desencontros que a pessoa já teve. E que a espécie já sofreu. Quando você está perto de alguém e não consegue expressar tudo que está claro e simples em sua cabeça, você está tendo um desencontro.

Aquela pessoa que lhe dá extremo cansaço de explicar as coisas é alguém com quem você se desencontra. Aquele que só emite, pouco lhe dando condições de intercalar os seus pontos de vista, é outro com quem você se desencontra. Aquele a quem você admira tanto, que lhe impede de falar, também é um agente de desencontro, por mais encontros que você tenha com a arte dele. A pessoa que só pensa naquilo que vai fazer e não naquilo que você está dizendo para ela é alguém com quem você se desencontra.

A pessoa que já vem conversar com você, com posições definidas e tomadas, é alguém com quem você se desencontrará. Alguém que o ama ou o detesta, sem nunca ter sofrido ao seu lado, é alguém desencontrando com você.

Cada desencontro é perda, porque é a irrealização do que teria sido uma possibilidade.

E a experiência de tantos desencontros é o que marca os raros encontros que a vida permite. A própria vida é uma espécie de ante-sala do Grande Encontro (com o Todo? O Nada?). Por isso, talvez, seja ela a provocação de desencontros preparatórios da penetração na essência do ser.

Mas, por isso ou por aquilo, cada encontro está carregado de perda. A perda é mais adivinhada do que sentida.

E ao ato de sentir-se feliz, intensamente feliz, associa-se a idéia do passageiro que é tudo, do amanhã cheio de interrogações, da exceção que aquilo significa.

E uma tristeza muito particular se instala - a tristeza feliz! A tristeza feliz não é a que deriva das grandes dores, frustrações ou amarguras. É a que se associa ao momento bom, como perda inerente a cada encontro, como sentimento da certeza de que tudo aquilo passará. É a consciência do não-ter na hora de ter.

Tristeza feliz é a que só surge depois dos encontros verdadeiros, tão raros.

Encontros verdadeiros são os que se dão de si mesmo para si mesmo, e não de inteligência para inteligência, de concordância para concordância, de interesse para interesse. Os encontros verdadeiros prescindem de palavras, prescindem, até, do clássico "precisamos conversar". Eles se realizam em cada pessoa na parte delas que se sublimou, ou ficou pura, melhor ou louca, mas a parte que responde a carências muito antigas e a certezas anteriores aos fatos.

É mais fácil, para quem tem um encontro verdadeiro, acabar triste pela certeza da fluidez da felicidade vivida, do que sair cantando a alegria da felicidade vivida ou trocada.

Quem se alegra demais, se distancia da felicidade. Felicidade está mais próxima da paz que da alegria, do silêncio que da festa, do encontro que do debate.

A alegria é "dom divino, filha do Eliseu", como dizia Schiller, o poeta, no verso que abre a "Nona Sinfonia", de Beethoven, mas ouso dizer que ela é Divina na medida em que é um dom, uma graça, uma centelha doada aos Homens para enfrentar a vida.

Eu diria que a alegria não é felicidade e que a felicidade, muitas vezes, está mais perto da tristeza do que da alegria. Felicidade está perto da tristeza, porque a certeza da perda sempre se instala a cada vez em que estamos felizes.

Cada encontro está carregado de perda. Nessa vida. E até na outra, se existe (e permitirá o encontro redentor), precisou da perda desta vida.

É esta certeza - a da perda - a que provoca aquela lágrima ou aquela angústia que, a gente não sabe porquê, as vezes se instala após os verdadeiros encontros.

Há sempre uma despedida em cada alegria. Há sempre um "e depois?" após cada felicidade. Há sempre uma saudade na hora de cada encontro. Antecipada!"

(Artur da Távola)

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