domingo, 5 de dezembro de 2010

O que mais você quer?




Era uma festa familiar, dessas que reúnem tios primos, avós e alguns

agregados ocasionais que ninguém conhece direito.

Jogada no sofá, uma garota não estava lá muito sociável, a cara era

de enterro. Quieta, olhava para a parede como se ali fosse encontrar

a resposta para a pergunta que certamente martelava em sua cabeça:

o que estou fazendo aqui?

De soslaio, flagrei a mãe dela observando a cena,

inconsolável ao mesmo tempo em que comentava com uma tia:

"olha pra essa menina, sempre com essa cara. Nunca está feliz.

Tem emprego, marido, filho.

O que ela pode querer mais?"

Nada é tão comum quanto resumirmos a vida de outra

pessoa e achar que ela não pode querer mais. (...)


(...) Imaginei a garota acusando o golpe e confessando: sim, quero mais.

Quero não ter condescendência com tédio, não ser forçada a aceitá-lo na

minha rotina como um inquilino inevitável. A cada manhã, exijo ao menos

a expectativa de uma surpresa, quer ela aconteça ou não.

Expectativa por si só, já é um entusiamo.

Quero que o fato de ter uma vida prática e sensata não me roube o direito

ao desatino.

Que eu nunca aceite a idéia de qe a maturidade exige um certo conformismo.

Que eu não tenha medo nem vergonha de ainda desejar.

(...) Quero ventilação, não morrer um pouquinho a cada dia sufocada em

obrigações e em exigências de ser a melhor mãe do mundo, a melhor esposa

do mundo, a melhor qualquer coisa.

Gostaria de me reconciliar com meus defeitos

e fraquezas, arejar minha biografia, deixar que vazem algumas

idéias minhas que não são muito abençoáveis.

Queria não me sentir tão responsável sobre o que acontece ao meu redor.

COmpreender e aceitar que não tenho controle nenhum sobre as emoções

dos outros, sobre suas escolhas, sobre as coisas que dão errado e também

sobre as que dão certo. Me permitir ser um pouco insignificante.

E, na minha insignificância, poder acordar um dia mais tarde sem dar

explicação, conversar com estranhos, me divertir fazendo coisas que

nunca imaginei, deixar de ser tão misteriosa pra mim mesma, me

conectar com as minhas outras possibildades de existir.

O que eu quero mais?

Me escutar e obedecer meu lado mais transgressor, menos comportadinho

menos réfem de reuniões familiares, marido, filhos, bolos de

aniversário e despertadores na segunda-feira de manhã.

E também quero mais tempo livre.

E mais abraços.

Pois é, ninguém está satisfeito. Ainda bem.



Martha Medeiros (Livros Doidas e Santas)

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